O paradoxo do exercício físico

Meu artigo publicado na revista contra-relogio em 01/09/2013:

Com o objetivo de combater as doenças cardiovasculares, a promoção de exercício tornou-se uma prioridade na maior parte dos países do mundo. Em grandes estudos populacionais, observa-se que pessoas que relatam a prática de exercício regular têm um menor risco de ataques cardíacos. Além disso, indivíduos com um alto nível de condicionamento físico possuem menores taxas de mortalidade por doença cardiovascular, em relação aos indivíduos menos condicionados.
Estes beneficios decorrem da associação de vários fatores. A atividade física contribui para a manutenção de um peso saudável, para a redução do percentual de gordura corpórea, para a redução do colesterol total e do LDL-c (o "colesterol ruim"), para o aumento do HDL-c (o "colesterol bom"), além de reduzir a pressão arterial sanguínea. Tudo isso leva à diminuição do risco de diabetes, de certos tipos de câncer e de doenças do coração. De quebra, o exercício também melhora o humor e aumenta a autoestima. Todos estes fatores são razões suficientes para calçarmos o tênis e sairmos correndo.
E você conhece bem a sensação de prazer que a corrida dá. E é aí que mora o perigo, pois sempre queremos correr mais e mais. O problema é que estudos em todo o mundo têm mostrado que o aumento da intensidade do exercício tem sido associado a problemas de saúde, especialmente associados ao aparelho cardiovascular. É o que se chama "paradoxo do coração": exercício é bom para o órgão, mas o excesso nem sempre o favorece.

BATIMENTOS CARDÍACOS. O coração é um órgão muscular formado por câmaras, cuja principal função é bombear o sangue através dos vasos sanguíneos do corpo, para que estes levem às células nutrientes e oxigênio. O órgão bate cerca de 72 vezes a cada minuto. Em atletas, o coração torna-se mais eficiente e o ritmo cardíaco pode cair para 40 a 50 batimentos por minuto, enquanto nos sedentários o mesmo pode chegar a 100 bpm.

Quando nos emocionamos ou quando aumentamos a intensidade de uma atividade física, os batimentos aumentam, sem que isso signifique a presença de uma doença cardíaca. Por outro lado, taquicardia (aumento dos batimentos) abrupta, sem motivo aparente, é motivo de preocupação, seja durante, após ou entre treinos.
Já a arritmia é caracterizada por uma condução elétrica anormal no coração ou mudanças anormais no ritmo e na frequência cardíacos. Durante a corrida, os impulsos elétricos serão gerados com maior frequência, aumentando a contração do coração. Mesmo assim, relatos da literatura mostram que o risco de eventos cardiovasculares durante uma corrida é baixo. Estima-se que ocorra uma morte súbita no mundo a cada 1,5 milhão de episódios de atividade física. Destes, apenas um em cada 20 ataques cardíacos estão associados com esforço, já que o risco concentra-se em indivíduos com doença cardiovascular pré-existente e nos sedentários. 
As pesquisas são unânimes em mostrar que a prática de atividade física moderada, por 30 minutos diários, trazem enormes benefícios ao organismo. Estes estudos compararam sempre indivíduos ativos com aqueles sedentários. Porém, quando os pesquisadores comparam estes primeiros indivíduos, praticantes de atividade moderada, com quem pratica atividade intensa, não se chega a um consenso, pois em geral não são percebidos benefícios extras, e alguns estudos chegam a mostrar malefícios trazidos pela atividade intensa.

CONSISTÊNCIA X INTENSIDADE. O que se sabe é que a consistência é claramente mais importante do que a intensidade. O corredor experiente, condicionado por anos ou décadas de atividade, tem a melhor proteção contra a doença cardiovascular. Já o iniciante ou que intercala muitos momentos parados com corrida intensa, não alcança o mesmo grau de proteção cardiovascular. 
Nos atletas com idade inferior a 35 anos, cerca de 90% das mortes súbitas são causadas por doenças cardíacas genéticas pré-existentes e desconhecidas do corredor. Ou seja, o problema não é a corrida e sim a presença de uma doença, em geral, de difícil identificação. Já os 10% de mortes restantes em indivíduos jovens, durante corridas, são causados por diferentes condições, incluindo asma, insolação e hiponatremia (níveis perigosamente baixos de sódio). 
Já nos corredores com mais de 35 anos, a morte súbita se deve principalmente por parada cardíaca, independentemente de doença genética. O risco se eleva entre homens, hipertensos, dislipidêmicos (com elevação do colesterol) e naqueles acima do peso. Outro grande problema é o estreitamento das artérias por placas ateromatosas, associadas a um estilo de vida prévio inadequado, com dieta inadequada e/ou tabagismo. Durante o esforço excessivo, estas placas podem se romper, levando ao ataque cardíaco.
Médicos acostumados a trabalhar em maratonas relatam que grande parte de óbitos associados ao aparelho cardiovascular só ocorreu porque o atleta não deu atenção a sinais ou condições prévias. Assim, recomenda-se atenção redobrada em casos de história familiar de doenças cardiovasculares, placas ateromatosas previamente identificadas, dislipidemias (principalmente alteração de triglicerídeos, colesterol e LDL-c), dores no peito, sensação de falta de ar, náuseas ou formigamento de membros. 
O cuidado torna-se, então, fundamental. Mas, em geral, não há nenhuma necessidade de abandono das corridas. Pelo contrário! Em estudo recente, o pesquisador Paul Williams mostrou que mesmo após um ataque cardíaco a corrida é benéfica. O médico acompanhou, por 10 anos, 2.377 corredores que sobreviveram a ataques cardíacos. Entre os que voltaram a correr, houve melhoria do desempenho do coração e menor mortalidade entre aqueles que correram menos de 7,1 km por dia e menos que 24 km por semana. Já entre os que se animaram mais e incrementaram a corrida, houve um aumento do número de eventos cardíacos e morte. Daí a importância do acompanhamento, tanto pelo cardiologista, quanto pelo educador físico e o nutricionista.
O Dr. Cooper, que ficou famoso no Brasil na década de 1980 com seus livros sobre corrida, hoje advoga que após os 50 anos não se deve correr mais do que 24 km por semana. Seu colega, o cardiologista O'Keefe, que foi atleta de elite, é da mesma opinião.

TESTE GENÉTICO. Se você acha tudo isso uma besteira ou se é jovem, saudável, sem fatores de risco associados, se treina de forma regular e correta, respeita o seu corpo e progride lentamente e mesmo assim ficou preocupado, uma opção é realizar um teste genético e se planejar para o futuro. No Brasil, o mesmo fica entre R$ 1.500 e R$ 2.500. Mas se for viajar aos EUA, uma opção mais em conta é o teste da empresa 23andMe (https://www.23andme.com) que pode ser encomendado e enviado ao seu hotel. Você mesmo faz a coleta por saliva e envia de volta ao laboratório por correio. O resultado fica pronto após 45 dias e pode ser visualizado pela internet.
Lembre-se, contudo, de que genética não é destino. O fato de possuir genes associados a doenças do aparelho cardiovascular não significa que morrerá deste tipo de doença (e muito menos correndo). Assim como o fato de não possuir genes marcadores de doenças cardiovasculares não significa uma proteção eterna contra as mesmas. Como sempre, dieta inadequada, poluição ambiental, tabagismo e estresse são causas importantes que levam a problemas de coração, independentemente da história familiar ou da presença de genes para doenças comuns do órgão.

COENZIMA Q10. Como grande parte dos danos ao coração parece decorrer do estresse oxidativo, ou seja, do aumento de produção de radicais livres, estratégias de combate ao problema devem ser adotadas. Produzimos radicais livres quando nos exercitamos, durante a metabolização dos alimentos, quando fazemos exercícios, principalmente aqueles de maior intensidade, quando nos estressamos, quando dormimos pouco. Ou seja, produzimos muito radical livre! Para minimizar o problema, adote uma dieta balanceada, rica em frutas e verduras, ervas, raízes e chás ricos em flavonoides (como açafrão, alecrim, chá branco, chá mate, chá verde, gengibre, manjericão, pimenta, sálvia). Se estiver treinando intensamente, converse com seu nutricionista ou médico acerca da suplementação de vitaminas e minerais e também de coenzima Q10.
Este suplemento é ainda mais importante se você possui um risco cardiovascular já identificado, seja ele hipertensão, excesso de peso, idade acima de 55 anos para homens ou maior que 60 anos para mulheres, história familiar importante (sempre em parentes de primeiro grau: pai, mãe, irmãos ou filhos) ou dislipidemia. Estudo deste ano mostrou que a suplementação de 300 mg de coenzima Q10 em cardiopatas reduziu o risco de eventos do coração e morte por parada cardíaca.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/